quarta-feira, 4 de maio de 2011

moça da rosa / Carta

Um rosto extranatural
Efeito das rosas na janela
Catarsia-se no aroma elemental
A broche engrandece a aura amarela

Aparata o cabelo com flores do campo
Adorna-o pra agradar as rosas
A voz da rosa elogia o vestido de trapo
Tamborila no livro de poesia e canta cantigas

Beleza de semideusa
Num espelho admira-se ao amanhecer
Olhos de pérolas com ar de princesa
Matizados pelo sol pra um arco-íris florescer

De tarde passeia seu charme inato
A favorita dos moços do pequeno vilarejo
Ilusões escandecentes no pensamento
Faz ventar num demoroso caminhar que precede um lampejo

De noite saboreia um delicioso caramelo
As estrelas juram para sempre lhe amar
Pontual, repousa num sono singelo
Na teia dos sonhos banha-se no mar

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Uma carta contém vários significados
Sonhos esquecidos e sonhos vivos
Uma carta revela mistérios
Mensagens, boas novas
Segredos ocultos
Desejos revelados
Um pedaço de papel mal escrito
Um punhado de tinta bem desenhada
Na ponta da pena, na caneta
Amores perdidos, encantos achados
Esperança e descrédito
Carta romântica, carta amiga
Carta de encontro e de despedida
Resistindo à modernidade
A corte ainda transporta vidas inteiras
No papel, no toque
Guardado no armário
No caderno, na gaveta
No coração e na alma

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O tempo que passa

Vejo o vento que leva
Ouço o tempo que traz
Fito a noite que morre
Flerto o dia que cai

A roda louca enrosca meu andar
Um navegar marasmático
Na cadência de uma leve brisa
Os senhores do ar não têm pressa

Cada dia é uma versão acústica
Um acorde suave e pesado
Lento como um chumbo dourado

Cada raio solar é uma lanterna
Iluminando caminhos neste eterno apagão
Toda fogueira é vagalume
Repousa admirando as estrelas

Todo momento é mistério
O espaço é minha estrela guia
Semeia ilusões
Povoa meus sonhos

Vejo o tempo que passa
Ouço o vento que morre
Dia e noite se anulam
Num suicídio mútuo

Choro de Gaia

Escuto Gaia que chora
Agoniza, definha rapidamente
Já sem o brilho doutrota
Falecerá repentinamente
Veias cheias de lixo
A pele devastada
O corpo murcho
A energia atordoada
Câncer por todo canto
Seus filhos, podres células
Não há cura, magia ou encanto
Não há fórmula para curá-las
Um ciclo chega ao fim
É preciso morrer para nascer
Arcanjo, Virtude, Seres de Luz, Serafim
Arquitetos do novo amanhecer
Colhendo, separando o joio do trigo
Aqueles que contra a maré navegam
Anelam o esplendor de um tempo antigo
Trabalham as chaves que lhes entregam
Caos, tragédia, selvageria, desespero
O homem cada vez mais animalesco
Instinto cada vez mais mortífero
Um cenário dantesco
Tempo de fogo e treva
Como anunciou cada profeta
Tristeza o futuro nos reserva
Logo a história estará completa

Carta para Lelê

  Querida Lelê,
hoje é sexta-feira, a última de abril de 2011. Este ano parecia tão distante e agora estou nele. O tempo fica mais veloz; talvez sua idade não lhe permita compreender. Por muito esperei este ano e nada ocorreu como desejei.
  Espero que esta seja a primeira de muitas cartas; poderá se acostumar com meus garranchos, erros e citações.
  "Faz um tempo, eu aguardava tudo para um dia especial, distante. Fui ficando mais calado e mudo até sacar que o futuro é uma meta flutuante".
   A gente sempre lê, ouve que devemos viver o presente; a teoria não costuma estar em sintonia com a prática. Vivendo e aprendendo.
  Deitado em minha cama, escuto rádio e observo a paisagem. Não tenho vista pro mar, nem pras montanhas, nem pra uma bela cidade. Há um basculante e duas janelas que mal posso ver, nunca se abrem e estão sempre iluminadas; duas antenas e dois ferros retorcidos; algumas plantas, muito concreto e um pedacinho do céu.
  Gosto de observar nuvens deslizando no azul do dia e no escuro da noite, mas hoje não há vento pra fazer dançar as nuvens e as plantas. Nem a chuva veio. Adoro ouvir o barulho da chuva, vê-la caindo; é como se preenchesse o seco tédio que às vezes veste minha existência.
  O frio chegou nesta semana. No primeiro dia me recusei a usar casaco, não quis aceitar que o verão tinha ido embora, como uma mão não aceita a morte de um filho.
  Meu coração está inquieto. Vejo uma sombra se aproximar, o futuro é incerto e meu espírito carece de força de vontade. Também há luz e esperança; ainda que frágeis, permaneço firme nelas.
  Talvez não saiba sobre o que falo. O importante é que pude ocupar um pouco do tempo nesta noite de tédio; você proporcionou uma pequena alegria.
  Espero ter resposta tua, notícias de tua terra distante, de teu estudo e de teu lindo coração que reflete na Bahia.
  Que a luz esteja sempre com você.

                                                    Saudades, de seu amigo
                                                    Rui Felipe

"me interessa o que não foi impresso e continua sendo escrito a mão"